Março de 1996 - Breve crônica sobre uma "metamorfose"
Ah, como fui ingênuo em não ter valorizado os pais de alunos da escola para a qual me removi! Como trabalhava em desgraçada pirambeira numa violenta periferia sonhava com ares mais tranqüilos para exercer o meu "metier" de gestor. Achei que precisava por um ponto final na média que tinha que fazer com bandidos, para sobreviver na escola que ingressara, antes desta malfadada, em que estou agora. Mal sabia eu o que me esperava. É verdade que não calcei, como se diz por aí, as sandálias da humildade, na estréia em meu novo estabelecimento de ensino. Cheguei à unidade escolar escolhida com a bola toda, eu diretor efetivo, que faço e aconteço, para o bem dos alunos, bem entendido.
De cara, topei com um vice-diretor que se achava dono do pedaço e que segundo fui informado, não cumpria horário e costumava fazer de "gato e sapato", o diretor que me antecedera. O diabo do sujeito pretendia que eu, que acumulava o cargo de diretor com horário de manhã e a noite em minha escola, com o de docente, à tarde, em outra, onde era efetivo, abrisse mão de meus ganhos, para que ele, que também acumulava, me fizesse companhia no mesmo período noturno. Não tive alternativa, dispensei-o do posto de trabalho. Voltou pra sala de aula. Primeiro desafeto no pedaço. E foi só o começo.
Não demorou muito observei alguns estranhos eventos acontecendo debaixo do meu nariz. Um dia um pai interpelou-me sobre as idas e vindas da filha em shoppings, durante o período das aulas. Alegou que a "rebentinha" era dispensada diariamente após as provas semanais (do bimestre), coroada com dispensa geral do alunado na sexta feira, coisa criada pela "tchurma" sob a denominação singela de "semana e sexta do saco na lua, que ninguém é de ferro", com certeza parte do "Projeto Pedagógico" e que eu ignorava, pois estava há pouco tempo na unidade, coisa de uns três meses. Não tive dúvida, procurei o pessoal para informá-lo de que isso era absolutamente irregular. Ah, meu! Se soubesses da enxurrada de impropérios proferido pelo papa da "tchurma" e séqüito, contra a minha pessoa, condenando-me ao sétimo círculo do inferno de Dante, onde deveriam ser enviados os seguidores das amaldiçoadas legislações pertinentes, nem te digo, tche... Que eu era isso, que eu era aquilo, imaginem as frases embutidas nesses "issos e aquilos", que o pessoal não tinha "papas na língua". E eu lá boquiaberto com as intempestivas reações de revoltados educadores que ameaçavam trucidar-me ao menor gesto irrefletido. Dei no pé antes que algum indigitado me atirasse uma cadeira ou me cobrisse de pescoções entre outros que tais. Depois disso foi o caos. Afrontavam-me de todos os modos e maneiras o que me fez bater de frente com algumas professoras interessadas em que eu perdesse as estribeiras o que não foi difícil acontecer. É claro que logo, logo outros membros da comunidade escolar acabaram sendo contaminados pelo clima criado por aquela meia dúzia, até porque também foram atingidos pelo corte dos dias do "saco na lua". A situação de desajuste chegou a tal ponto que acabei sendo afastado do cargo em nome da pacificação geral. É claro que não me conformei e continuo a lutar pelos meus direitos e pela apuração de responsabilidades de todos os envolvidos.
Hoje, refletindo com meus botões sobre esse "imbróglio", chego à conclusão de que nós diretores de escola não podemos isolar-nos na unidade, mormente quando nos deparamos com práticas irregulares criadas anteriormente a nossa chegada à escola. Se para a solução do problema me louvasse na opinião da comunidade, o desfecho do caso seria bem outro. Todavia nunca é tarde para aprender a lição...
*Franz Kafka - escritor tcheco (1883-1924) descreveu o absurdo da condição humana em
"A Metamorfose, O Processo, o Castelo entre outras obras" isso tudo sem conhecer a vida de
um profissional de escola pública estadual.
** Sisifo - personagem da mitologia grega condenada a empurrar eternamente encosta acima de
uma
montanha uma enorme pedra que caía sempre antes de atingir o cume.
*** Reinhold Stephanes - Ministro da Previdência, aposentado em idade apenas madura em
alguns empregos públicos de medíocres salários reveste-se de suprema autoridade moral para
levar adiante a Reforma da Previdência. Isto por ter descoberto, um tanto tardiamente, que
ele e seus pares, pela aposentadoria precoce e pelos salários percebidos, constituem males a
serem extirpados, imediatamente, sob pena de os próprios ficarem sem os seus proventos em
futuro próximo.
**** Questão Atuarial - o fato de você se aposentar aos 45 ou aos 50 anos e receber o
benefício por uns 30 ou 40 anos, isto é, até 75 ou 80 anos, idades facilmente atingidas
pelos saudáveis brasileiros.